A expansão e a qualidade do ensino superior na modalidade a distância é um assunto que chama atenção da atual gestão do Ministério da Educação, que editou a Portaria MEC nº 1.838, de 14 de setembro de 2023, e instaurou consulta pública para a elaboração de proposta de regulamentação da oferta de cursos de graduação na modalidade a distância e determinou o sobrestamento por 120 (cento e vinte) dias dos processos de autorização dos cursos de graduação em Direito, Enfermagem, Odontologia e Psicologia na modalidade EAD.
Posteriormente, por meio da Portaria MEC nº 2.041, de 29 de novembro de 2023, o Ministério da Educação ampliou o prazo de sobrestamento para mais 90 (noventa) dias e incluiu a suspensão dos processos regulatórios de credenciamento EAD de instituições que obtiverem Conceito Institucional EAD inferior a 4 (quatro), bem como ampliou o rol de sobrestamento de autorização de cursos superiores para modalidade a distância, que passou a incluir Biomedicina; Ciências da Religião; Direito; Educação Física; Enfermagem; Farmácia; Fisioterapia; Fonoaudiologia; Geologia/Engenharia Geológica; Medicina; Nutrição; Oceanografia; Odontologia; Psicologia; Saúde Coletiva; Terapia Ocupacional; e Licenciaturas em qualquer área.
Sem que houvesse a conclusão da proposta de regulamentação da oferta de cursos de graduação na modalidade a distância, o Ministério prorrogou mais uma vez o prazo de sobrestamento por 90 (noventa) dias, nos termos da Portaria MEC nº 158, de 28 de fevereiro de 2024.
Dessa forma, segundo a normativa vigente, o sobrestamento desses processos regulatórios se estenderá até 27 de maio de 2024. Caso não haja nova alteração de prazo, o período total para redefinição da política de regulação dos cursos superiores a distância chegará 300 (trezentos) dias.
Atualmente, segundo os dados do Censo da Educação Superior 2022 divulgados pelo INEP, a modalidade a distância compreende 45,9% do total de matrículas do ensino superior.
A oferta de cursos superiores nessa modalidade tem sido tendência no mercado educacional nos últimos 10 anos, conforme dados do Censo da Educação Superior, que demonstram o crescimento tanto da oferta de cursos como de alunos matriculados, com acentuado aumento desde a pandemia de Covid-19.
A trajetória de crescimento da modalidade a distância também é fortemente influenciada pelas modernas ferramentas de tecnologia disponíveis no mercado e que permitem otimizar tempo e recursos financeiros. A dinâmica social e tecnológica indica que a modalidade EAD é um caminho sem volta. Aliás, o uso de ferramentas de tecnologia está incorporado ao traço cultural globalizado, abrangendo diversas áreas da atividade humana, inclusive a Educação. Não há como recusar ou excluir a Educação dos avanços tecnológicos e do dinamismo social.
Essas observações levam ao seguinte paradoxo: Se não é possível tornar a Educação imune aos avanços tecnológicos, como avaliar e manter a qualidade da oferta dos cursos superiores? Os mecanismos de avaliação e os indicadores de qualidade precisam evoluir para acompanhar a dinâmica social e tecnológica e fornecer elementos que permitam dimensionar a qualidade desejada dos cursos.
Esse contexto leva à inafastável conclusão de que os mecanismos de regulação, avaliação e supervisão dos cursos superiores na modalidade a distância precisam evoluir, com a atualização dos normativos correspondentes. Nesse sentido, a preocupação do Ministério da Educação com o ensino EAD é relevante. Aliás, a Educação como um todo e os mecanismos atualmente existentes precisam ser repensados diante desse quadro de dinamismo social e tecnológico.
Contudo, o sobrestamento de processos regulatórios EAD por longo prazo, sem definição da nova política regulatória para a modalidade, gera grande insegurança jurídica para o setor, além de prejuízos para os alunos e para algumas mantenedoras que realizaram grandes investimentos em equipamentos de tecnologia e de comunicação, contratação de professores e laboratórios, elaboração de Plano de Desenvolvimento Institucional e Projeto Pedagógico dos Cursos, dentre outras despesas, com vistas a cumprir o regime jurídico atualmente vigente.
Há instituições com forte atuação na modalidade EAD que, para cumprir fielmente as normas emanadas pelo Ministério da Educação, efetuaram grandes investimentos e montaram estrutura de excelência com avançado parque tecnológico, inclusive para a oferta de cursos que se encontram entre os sobrestados e que correm o risco de descontinuação na oferta.
Além disso, há os pedidos de credenciamento em tramitação e que mesmo com Conceito Institucional 4, encontram-se suspensos pelo fato de que o curso vinculado foi incluído posteriormente na lista de sobrestados. Essa situação, aliás, impõe a atuação proativa da SERES, para permitir a conclusão desses processos que foram iniciados antes do sobrestamento ou assegurar, por meio de tramitação extraordinária no sistema e-MEC, que as respectivas mantenedoras possam vincular outros pedidos de autorização de cursos ao credenciamento, com tramitação prioritária, para evitar a elas prejuízos até que se conclua a reformulação preconizada pela Portaria MEC nº 1.838, de 14 de setembro de 2023.
Nesse cenário de incerteza regulatória as situações pré-constituídas precisam ser preservadas. A ruptura abrupta de regime jurídico ou a mudanças de exigências impõe o estabelecimento de regime de transição claro para preservar as situações anteriormente constituídas sob a égide do regramento anterior.
Há, inclusive, disposição legal expressa nesse sentido. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 1942) a partir do seu artigo 20 impõe a Administração Pública, em face de eventuais mudanças de interpretação ou de regime jurídico, a proteção dos direitos e interesses dos administrados, decorrentes de situações constituídas nas regras anteriormente vigentes.
É garantia dos administrados que sejam considerados os efeitos práticos das decisões administrativas, que devem ser motivadas, fundamentadas e não podem ser baseadas em valores jurídicos abstratos. E mais, o art. 23 da LINDB, estabelece que em caso de nova interpretação normativa ou, na espécie, de reformulação de política regulatória da modalidade a distância que imponha novo condicionamento de direito, “deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.”
A atuação da Ministério da Educação é importante, nesse momento imprescindível, para ordenar a oferta e curar a qualidade da Educação EAD, sem, no entanto, descurar das situações já constituídas, especialmente para evitar sobressaltos para a atividade educacional, prejuízo às IES, aos alunos e a sociedade.
ESMERALDO MALHEIROS
OAB/DF 9.494
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