1. O Ministério da Educação publicou em 4 de setembro de 2023 a Portaria MEC nº 1.771/2023 que “dispõe sobre os fluxos, procedimentos e padrão decisório para o processamento de pedidos de aumento de vagas dos cursos de Medicina de instituições vinculadas ao sistema federal de educação superior”.
2. A normativa estabelece condições prévias ao processamento de pedidos de aumento de vagas de curso de Medicina, a saber:
i. O Conceito Enade igual ou superior a 4 (quatro). Se o curso ainda não possuir Conceito Enade, deve apresentar Conceito de Curso – CC igual ou superior a 4 (quatro) atribuído nos últimos 5 (cinco) anos;
ii. O Curso deve possuir ato de reconhecimento expedido pelo MEC;
iii. A IES não pode ter medida de supervisão em vigor, isto é, não pode haver em face da IES a instauração de procedimento saneador; a instauração de procedimento sancionador; a determinação de medida cautelar; ou a aplicação de penalidade;
iv. A IES não pode ter sofrido penalidade nos últimos 3 (três) anos;
v. O Curso não pode ter Protocolo de Compromisso em vigor;
vi. O Curso não pode ter medida de supervisão em vigor, isto é, sem a instauração de procedimento saneador; instauração de procedimento sancionador; determinação de medida cautelar; ou a aplicação de penalidade referentes ao Curso;
vii. O Curso não pode ter sofrido penalidade nos últimos 6 (seis) anos;
viii. O Curso deve ter comprovada demanda social, demonstrada através de que a relação inscrito/vaga maior que 2 (dois) no último processo seletivo; e
ix. Não possuir pedido de aumento de vagas anterior já protocolado, pendente de decisão definitiva, ainda que aberto em decorrência de decisão judicial.
3. Esses nove requisitos são aplicáveis unicamente às Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, independentemente de sua organização acadêmica, sendo para elas requisitos obrigatórios, de forma que o descumprimento de qualquer um deles acarretará o arquivamento do pedido de aumento de vagas, sem análise de mérito.
4. Outro aspecto relevante constante da Portaria diz respeito à limitação do quantitativo de vagas que se pretende majorar. Segundo o novo normativo, o aumento de vagas não pode ser superior a 30% do número de vagas já autorizadas para o curso de Medicina, nem poderá resultar em curso com mais de 240 (duzentas e quarenta) vagas anuais. Assim, os cursos com número igual ou superior a 240 (duzentas e quarenta) vagas não poderão solicitar aditamento de ato autorizativo visando a majoração de suas vagas.
5. Na análise do mérito do pleito administrativo, a Portaria MEC nº 1.771/2023 estabelece que a análise do pedido de aumento de vagas deve ser realizada com base na estrutura de equipamentos públicos e nos programas de saúde existentes no Município de oferta do Curso, de acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde a pedido da SERES/MEC. Nesse sentido, estabelece que deverão ser observados as seguintes condições:
I. Existência de, no mínimo, 5 (cinco) leitos do Sistema Único de Saúde – SUS disponibilizados para o campo de prática por vaga solicitada;
II. Existência de Equipes Multiprofissionais de Atenção Primária à Saúde;
III. Existência de no máximo 3 (três) alunos por equipe de Saúde da Família – eSF;
IV. Existência de leitos de urgência e emergência ou pronto-socorro;
V. Grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica;
VI. Existência de, ao menos, 3 (três) Programa de Residência Médica – PRM implantados nas especialidades prioritárias que tenham sido definidas pelo gestor da rede de saúde local, apreciado pela Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde – SGTES/MS e pela Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM, com taxa de ocupação total das vagas (R1 e R+) superior a 50% (cinquenta por cento); e
VII. Hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de 80 (oitenta) leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino, conforme legislação vigente.
6. As condições relativas à existência de Equipes Multiprofissionais de Atenção Primária à Saúde e à existência de hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de 80 (oitenta) leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino não são determinantes, ou seja, ainda que inexistentes essas condições, o pedido de aumento de vagas poderá ser deferido. Todavia, as demais condições listadas nos incisos I, III, IV, V e VI são obrigatórias e devem ser integralmente atendidas para viabilizar o pedido de aumento de vagas.
7. Como já dito, todos os dados relativos à estrutura dos equipamentos públicos e aos programas de saúde são oferecidos pelo Ministério da Saúde a pedido da SERES-MEC, que analisará os dados referentes ao Município de oferta do curso cujas vagas se pretende majorar. Havendo insuficiência no Município, a Seres avaliará a disponibilidade na região de saúde na qual se insere o município de oferta do curso.
8. Nos últimos anos, a SERES/MEC adotou o critério de divisão de vagas para pedidos de autorização de Medicina ou aumento de vagas realizados por mais de uma instituição para uma mesma localidade. No entanto, esse critério não encontrava respaldo nos normativos da Pasta.
9. Nesse contexto, o art. 8º da Portaria MEC nº 1.771/2023 trouxe como novidade a determinação de que, nesses casos de pedidos concomitantes, ou seja, aqueles realizados dentro da mesma janela de protocolo, “se a estrutura de equipamentos públicos e de Unidades Saúde-Escola não comportarem o total de vagas pleiteadas, as vagas disponíveis serão divididas igualmente entre os cursos de Medicina cujas vagas se pretenda aumentar”. Essa regra, contudo, não se aplica aos pedidos realizados por Instituições Federais de Educação Superior (IFES), que terão precedência na alocação da estrutura de equipamentos públicos e a de Unidades Saúde-Escola existentes e disponíveis desde o seu protocolo.
10. Ciente do volume de ações judiciais que determinam o processamento de pedidos de aumento de vagas de Medicina, o Ministério da Educação esclarece, por meio da Portaria MEC nº 1.771/2023, que os processos que tramitam sub judice, caso as respectivas decisões sejam revertidas, serão imediatamente arquivados, sem aproveitamento de nenhum ato processual, de modo que para apreciação administrativa será necessário realizar novo pedido, nos termos previstos na Portaria, submetendo-se, inclusive, à abertura de calendário regulatório.
11. Nos termos da Portaria nº 1.771/2023, o calendário para abertura do protocolo de ingresso para pedidos de aumento de vagas de Medicina será estabelecido periodicamente pela SERES. Para o ano de 2023, o protocolo para os referidos pedidos será aceito a partir da publicação da Portaria, que ocorreu em 04 de setembro de 2023, até o dia 31 de outubro de 2023.
12. Vale ressaltar que a funcionalidade para solicitar aumento de vagas não está disponível no sistema e-MEC, de modo que a IES pública ou privada, independentemente de sua organização acadêmica, deverá enviar Ofício à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES/MEC), que tramitará via Sistema SEI, instruído com os seguintes documentos e informações: (i) nome, grau e código do curso; (ii) nome, código da Instituição de Ensino Superior – IES e da Mantenedora; (iii) quantidade de vagas solicitadas; e (iv) cópia da decisão do órgão competente da IES pelo aumento do número de vagas.
13. Importante destacar que não houve revogação expressa da Portaria MEC nº 523/2018, que se aplica aos pedidos de aumento de vagas em cursos de Medicina autorizados no âmbito de editais de chamamento público do Programa Mais Médicos e aos cursos de Medicina pactuados como política de expansão das IFES.
14. Para os cursos autorizados no âmbito do Programa Mais Médicos, permanecem vigentes as disposições da Portaria MEC nº 523/2018. Todavia, para os editais que ainda serão publicados a partir de 2023, o art. 13 da Portaria MEC nº 1.771/2023 estabelece critérios específicos para viabilizar aumento de vagas nos cursos novos, como a necessidade de que o curso tenha sido reconhecido e a limitação de aumento de no máximo 40 (quarenta) vagas anuais, além do atendimento de todos os demais requisitos constantes na Portaria MEC nº 1.771/2023.
15. Quanto aos cursos de Medicina ofertados pela IFES, a Portaria MEC nº 523/2018 determinava a necessidade de manifestação favorável da Secretaria de Educação Superior (SESU/MEC), que dentre outras competências é responsável por repasses orçamentários às Universidades Federais. Já a Portaria MEC nº 1.771/2023, além de não apresentar a necessidade de oitiva da SESU/MEC, estabelece algumas particularidades para as IFES, quais sejam: (i) a precedência na alocação da estrutura de equipamentos públicos e a de Unidades Saúde-Escola existentes e (ii) a desnecessidade de cumprimento das condições prévias relativas ao Curso e à IES estabelecidas em seu art. 3º. Nesse sentido, por se tratar de norma posterior e mais específica, pelo princípio da especialidade, entende-se que houve revogação tácita da Portaria MEC nº 523/2018 no que tange às regras para pedido de aumento de vagas de Medicina pelas IFES.
16. Da mesma forma, entende-se que as disposições contidas nos artigos 51 e seguintes da Portaria Normativa MEC nº 23/2017, que tratam das disposições específicas aos pedidos de aumento de vagas não se aplicam mais aos cursos de Medicina, em razão do princípio da especialidade, embora não haja previsão expressa dessa revogação no texto da Portaria MEC nº 1.771/2023.
17. De maneira geral, observa-se que a Portaria MEC nº 1.771/2023 apresenta rigor acentuado para as IES privadas, que representam 87,6% das Instituições de Ensino Superior, segundo dados do Censo da Educação Superior realizado INEP divulgado em 2022. Duas condicionantes para deferimento do aumento de vagas merecem destaque.
18. Em primeiro lugar, a utilização de dados do Ministério da Saúde quanto à estrutura de equipamentos públicos de saúde restritas ao Município e à região de saúde de oferta do curso, com a exclusão dos dados das regiões de saúde de proximidade geográfica, conforme previsão do art. 52, § 2º da Portaria Normativa MEC nº 23/2017.
19. Nesse aspecto, é importante destacar que a abrangência do curso de Medicina, na maioria das vezes, ultrapassa as barreiras da região de saúde, com oferta de serviços de saúde às comunidades circunvizinhas. Ressalta-se, ainda, que mediante autorização do Conselho Nacional de Educação é facultado à IES utilizar campos de prática localizados em unidade federativa diversa daquela onde o Curso de Medicina está instalado, localizado, portanto, em região de saúde distinta, mas próxima geograficamente. Assim, a regra contida na Portaria MEC nº 1.771/2023 deixa de observar a abrangência regional dos cursos de Medicina.
20. Em segundo lugar, a utilização do Conceito Enade 4 (quatro) para viabilizar o pleito das IES particulares.
21. O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE, criado em 1996 com a denominação de Exame Nacional de Cursos – ENC (Provão), está atualmente previsto como componente curricular obrigatório dos cursos de graduação na Lei nº 10.861/2004, que trata do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES.
22. Ocorre que, pela sistemática em vigor, em razão do disposto no art. 5º, § 5º da Lei nº 10.861/2004, o resultado do exame não pode ser inscrito no histórico escolar do estudante e nem em qualquer outro documento que permita a identificação do seu desempenho nas provas do certame. Essa circunstância exime o aluno participante de qualquer responsabilidade quanto ao resultado das provas realizadas, posto que somente será anotada a sua participação, com a atribuição de regularidade quanto ao cumprimento deste componente curricular obrigatório.
23. Esse contexto encerra potencial para distorcer os resultados das avaliações conduzidas pelo Ministério da Educação, além de prejudicar as Instituições de Ensino Superior no que se refere à medição da qualidade dos cursos por elas ofertados, pode, inclusive, inviabilizar o pedido de aumento de vagas para o curso de Medicina.
24. Conclui-se, portanto, que a Portaria MEC nº 1.771/2023 estabelece novas regras para a análise de pedidos de aumento de vagas de curso de Medicina, apresentando tratamento diferenciado para as IES privadas, com acentuado rigor nas exigências, sem levar em consideração que o autofinanciamento das instituições e dos cursos superiores, que necessariamente está atrelado ao número de vagas autorizadas, é condição mínima para viabilidade da oferta pelo setor privado dos serviços educacionais, conforme garante o art. 7º, III, da LDB.
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